Ele abarca tudo, e tem êxito em tudo; não há nada de que não seja contemporâneo. Tanto vigor nos artifícios do intelecto, tanto desembaraço em abordar todos os setores do espírito e da moda – desde a metafísica até o cinema – deslumbra, deve deslumbrar. Nenhum problema lhe resiste, não há fenômeno que lhe seja estranho, nenhuma tentação o deixa indiferente. É um conquistador que só tem um segredo: sua falta de emoção; não lhe custa nada enfrentar o que quer que seja, já que não põe nisso nenhum acento. Suas construções são magníficas, mas sem sal: categorias restringindo experiências íntimas, classificadas como em um fichário de desastres ou em um catálogo de inquietudes. Ali estão classificadas as tribulações do homem, como também a poesia de sua dilaceração. O irremediável posto em sistema, ou até mesmo em revista, exposto como um artigo de circulação corrente, verdadeira manufatura de angústias. O público a invoca; o niilismo de bulevar e a amargura dos curiosos alimentam-se dela.

Pensador sem destino, infinitamente vazio e maravilhosamente amplo, explora seu pensamento, deseja-o em todos os lábios. Não há fatalidade que o persiga: nascido na época do materialismo, teria seguido seu simplismo e lhe dado uma extensão insuspeitável; no romantismo, teria constituído uma Suma de devaneios; se surgido em plena teologia, teria manejado Deus como qualquer outro conceito. Sua habilidade para atacar de frente os grandes problemas desconcerta: tudo é notável  ele, salvo a autenticidade. Fundamentalmente apoético, se fala do nada, carece de seu estremecimento; seus nojos são reflexivos; suas exasperações, contidas e como que inventadas a posteriori; mas sua vontade, sobrenaturalmente eficaz, é ao mesmo tempo tão lúcida que poderia ser poeta se o quisesse e, acrescentaria eu, se se empenhasse… Não tendo nem preferências nem prevenções, suas opiniões são acidentes; lamenta-se que ele creia nelas: só interessa o percurso de seu pensamento. Se o ouvisse pregar em um púlpito não me surpreenderia, tão certo é que se coloca além de todas as verdades, que as domina e que nenhuma lhe é necessária nem orgânica…

Avançando como um explorador, conquista domínio atrás de domínio; seus passos são empresas tanto quanto seus pensamentos; seu cérebro não é inimigo de seus instintos; eleva-se acima dos outros, ao não haver experimentado nem cansaço, nem essa mortificação odiosa que paralisa os desejos. Filho de uma época, expressa suas contradições, seu inútil fervilhar; e quando se lança a conquistá-la, põe nisso tanta consequência e tanta obstinação que seu êxito e sua fama igualam-se aos da espada e reabilitam o espírito por meios que, até agora, eram odiosos ou desconhecidos.

CIORAN, E.M., Breviário de decomposição. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.

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