Jornada UFBAC – Resumos

“Cioran, a biografia de um personagem” – Paulo Jonas de Lima Piva (UFABC)

Há muito Emil Cioran tornou-se um filósofo de grande público. Seu estilo lacônico, de ironia muito sutil e restrita, suas frases desconcertantes e aniquiladoras, perfeitas para epígrafes e posts de facebook, suas ambiguidades, chistes e passagens herméticas, sua vinculação visceral entre pensamento e autobiografia, deixam sua obra vulnerável às mais estapafúrdias interpretações e a apropriações de todo tipo, como é corriqueiro nos processos de massificação. Ao fazerem de Cioran um objeto de culto e terapia, desiludidos e frustrados de várias procedências que nele encontram conforto e diversão acabam criando de sua pessoa muitos personagens. Desintoxicar o indivíduo Cioran dessas caricaturas, com o cuidado de não substituí-las por outras, é o objetivo principal dessa comunicação de abertura. O meio para isso será uma reflexão sobre a cronologia biográfica do filósofo.


“Assumir o insuportável: Reflexão sobre o exercício filosófico de E.M. Cioran no Breviário de decomposição” – Rodrigo Adriano Machado (PUC-SP)

Para que um escritor saliente pontos de tensão sobre o idioma usado como “suporte” é preciso ter pago um altíssimo preço ao adequar uma ferramenta “emprestada” às necessidades urgentes de seu trabalho de expressão. É atestado tratar-se de comentários apenas possíveis na vivência de alguém que atravessou a gramática e regressou para relatar essa raríssima experiência. Fosse isso – apenas – o que circunda e atravessa as páginas do livro Breviário de Decomposição (1949), já teríamos um texto indispensável para compreensão da problemática “pensador e pensamento” no assombroso contexto pós Segunda Guerra. Mas o romeno Emil Cioran (1911-1995), escritor que possui uma história tão singular quanto o conteúdo de sua produção intelectual, também demonstra rigorosamente que é preciso respirar terror frente às ilusões utópicas para alguém agarrar-se “com unhas e dentes” na lucidez.
A leitura ativa dos textos de E.M. Cioran é indispensável e um grande risco. Não é que não existam elaborações teóricas bem determinadas, tampouco que esses pensamentos não se articulam formando alguns eixos. O que ocorre é que o conjunto de sua produção não desejou ser sistemática – decisão do autor – como o modelo clássico dos textos da tradição filosófica. Deste modo o que chamamos aqui de “leitura ativa” é assumir uma aproximação por interpretação sem fórmula didática à priori. Porém é preciso chamar todas as atenções para o seguinte ponto: jamais isso significará que podemos nos apropriar de um trecho isolado de um determinado texto para corroborar com nossas próprias opiniões. Aliás, é precisamente o contrário: medir-se intelectualmente com um aforismo de Breviário de Decomposição é descobrir o quanto um interprete/pesquisador suporta ser golpeado em suas “convicções”. Adivinha-se os desgostosos com este texto figurando na fila dos que não suportam um arranhão nas concepções teóricas que defendem.
Agarrado à vivência da mudança de idioma (Cioran que já havia escrito livros em romeno opta por adotar o idioma francês) e à experiência fisiológica, Cioran demonstra este eixo de articulação do corpo com a língua  – pensamento – desdobrando na escrita visceral. O foco de pensamentos voltados para temas como o Nada, o Mal, Deus, estão suturados nos correspondentes do tédio, da insônia, da doença.
Atento aos detalhes anunciados nossa pesquisa pretende uma reflexão mediante análise partindo do aforismo Anulação pela libertação na direção de um exercício filosófico que o autor demonstra como parte de seu itinerário. Este exercício e os pensamentos deixados pelo filósofo persistem sendo um amargo remédio (ou um preciso veneno) para os fanatismos do século passado que seguem lançando suas sombras hodiernamente. Afinal se para o pensador, como humanos, somos “idólatras por instinto”, não será com um livro suave que refrearemos essa obsessão de adorar.
Palavras-chave: E.M. Cioran; Escrita; Leitura ativa; Interpretação; Fisiologia.


“A História universal como história do Mal: dogma, fanatismo e história no Breviário de Cioran” – Gregory Augusto Carvalho Costa (UFABC)

“Por toda parte, pessoas que querem…; (…) vontades se cruzam; cada qual quer; a multidão quer; milhares de pessoas tensas rumo a não sei o quê. (…) que prodígio insuflou-lhes tanto ânimo?”. Tal questionamento nos dá o tom das reflexões de Emil Cioran presentes em sua obra Breviário de decomposição. Lançada originalmente em 1949, ela, por seu turno, não possui uma unidade temática em seus muitos ensaios. Há, no entanto, um objeto sobre o qual Cioran aqui e acolá exsuda sua lucidez corrosiva: a tensão da vontade, a “ânsia de primar”, o desejo do homem de transformar em Verdade suas ideias e dogmas – numa palavra, o fanatismo pelo Absoluto. Não é por menos. Devemos ter em mente o período histórico no qual o livro fora escrito e, especialmente, a própria história de vida de Cioran – afinal, ele próprio chegou a aderir, quando jovem, a um movimento de extrema direita em seu país natal. Tratou-se de um período extremamente conturbado e de profunda crise na história europeia – quiçá mundial. E Cioran, obviamente, não estava à parte de tudo: já residente na França durante a segunda grande guerra, ele pôde ver de perto os crimes cometidos em nome da idolatria às ideias – exterminou-se pela ideia de Nação e pela ideia de Raça, matou-se pela ideia de Porvir e pela ideia de História. Nesses termos, as críticas ao fanatismo e aos dogmas intrínsecos à natureza do homem, bem como a recusa à “esfera do ato”, formam um ponto de suma importância para compreendermos a concepção de Cioran acerca do devir histórico tal como ele a elabora em seu Breviário – e, portanto, será precisamente este o objeto de nossa apresentação.


“O criador paroxismo da ilusão – amor” – Juan Pablo Enos Santana Santos (USJT)

O filósofo e ensaísta Emil Cioran é constantemente lembrado pelo seu ceticismo, lucidez, desespero e pessimismo. No entanto, mostro nesta comunicação as diversas formas em que o amor, de carácter individual e criador, aparece em seus dois primeiros escritos, ainda na fase romena. Neste momento, Cioran vê o amor como fonte vital de transfiguração. Em sua segunda fase, a francesa, por sua vez, o amor mal aparece. Meu objetivo é expor a continuidade temática dessa fonte de ilusão: o amor, voluptuoso encanto que faz com que o amante negue o conhecimento da pessoa amada e crie o objeto de desejo. A densidade de tal estado, em seu auge, se não realizado, pode levar ao suicídio, impulso patológico que leva à destruição total do ser daquele que ama. Paradoxalmente este estado de ilusão é enaltecido pelo filósofo, mesmo em sua fase de expressão francesa, contrastando com sua postura não metodológica de máxima lucidez. Proponho uma leitura que vise às nuances dessa pulsação íntima – Amor.
Palavras-chave: Transfiguração; Amor; Inflamação; Encanto; Desilusão; Entusiasmo; Pessimismo; Eros; Ceticismo; Suicídio.


Breviário de decomposição: perigoso e essencial” – Rodrigo Inácio R. Sá Menezes (PUC-SP)

A partir de uma anedota narrada por uma leitora alemã de Cioran (Verena von der Heyden-Rynsch), a propósito das reações adversas causadas pela publicação na França, em 1949, do Précis de décomposition, problematizarei a controvérsia suscitada pelo livro, considerado por um crítico francês um verdadeiro “perigo” e uma “irresponsabilidade” da parte do autor, E.M. Cioran, uma vez que poderia cair nas mãos de adolescentes! A proposta desta comunicação é tematizar o Breviário de decomposição como um livro perigoso e essencial: essencial porque “perigoso” (num sentido outro), e mais atual do que nunca, neste “mundo de subprodutos onde a ficção adquire as virtudes de um dado primordial” (Cioran).
Palavras-chave: Précis; Breviário; Perigo-Cioran; Lucidez; Ambivalência; Singularidade; Poética da Inutilidade; Poética do Fracasso.


“Da prostituição enquanto pedagogia: conversações com Emil Cioran” – Rafael Augusto de Assis (UMESP/UFABC)

Fazer um encontro com o pensamento de Emil Cioran (1911-1995) é mergulhar rumo ao abismo do caos: anti-dogmático, e anti-idealista, o autor do “Breviário de Decomposição” (1949) foi aquele que – seja no que se refere ao absurdo que envolve o surgimento de um novo existente, seja quanto à possibilidade de atribuirmo-lhe qualquer espécie de sentido ou finalidade – dirigiu o maior anátema à existência humana no transcorrer do obscuro século XX.
Tendo adotado o estilo literário de Nietzsche (1844-1900), o aforismo, Cioran foi um pensador solitário, insone, lancinante, que colocou à nu a imagem do Homem enquanto um ser metafísico, crente, adoecido, à procura desesperada por um “deus” (chamemos, se assim quisermos, tal “deus” de História, Ciência ou Filosofia) capaz de fornecer-lhe alguma segurança, algum propósito à sua trajetória precária, vazia, esgotada, desprovida de fundamentações biológicas e, especialmente, teológicas.
Nesse sentido, esta comunicação visa se debruçar sobre uma sucinta passagem, intitulada “Filosofia e Prostituição” – presente, pois, na supramencionada obra – com o objetivo de observar como Cioran fez daquilo que chamou de “escola das putas” sua genuína máquina de guerra contra todas as superstições, contra todos os sistemas que intentaram, direta ou indiretamente, fazer da razão uma faculdade superior, pronta a nos fornecer respostas dogmáticas e tranquilizadoras no que concerne à contingência, à gratuidade e à nulidade da vida.


“Cioran, Camus e o Brasil em decomposição” – Flamarion Caldeira Ramos (UFABC)

Em 2019, completam-se 70 anos da publicação do Précis de décomposition (o “Breviário de decomposição”): primeiro livro escrito em francês pelo filósofo romeno Emil (E. M.) Cioran – e o primeiro de uma série que o tornaria conhecido como um dos mais importantes escritores/prosadores de expressão francesa do século XX. Ao mesmo tempo, são 30 anos desde a primeira tradução do livro em língua portuguesa (Rio de Janeiro, Rocco, 1989), pelas mãos do filósofo, professor da PUC-RJ e amigo de Cioran [e meu!], José Thomaz Brum. Um dos editores de Cioran, na editora Gallimard foi justamente como ele um dos grandes escritores/prosadores e filósofos de expressão francesa do século XX, o argelino Albert Camus. Enquanto o livro de Cioran era publicado na França em 1949, Camus visitava a América do Sul e especialmente o Brasil, ponto de partida e de encerramento de uma jornada que passou também por Argentina, Chile e Uruguai entre julho e agosto daquele ano. Naquela ocasião, pronunciou a conferência “O tempo dos assassinos”, texto que antecipa algumas das ideias abordadas no livro O homem revoltado que seria publicado em 1951. Portanto, este ano de 2019 marca tanto os 70 anos da visita de Camus ao Brasil quanto a publicação do primeiro livro francês de Cioran. Essa coincidência não deixa de ser curiosa, por uma série de razões. Primeiro porque ela enseja um ensaio de comparação entre os dois autores, ao mesmo tempo tão próximos e tão distantes. E, em segundo lugar, motiva uma reflexão sobre as impressões melancólicas de Camus sobre o Brasil à luz (ou à sombra) do Breviário de Cioran e da Decomposição da Nova República que ora vivenciamos.


“O primeiro Cioran francês” – José Thomaz Brum  (PUC-RJ)